No dia 27/01/2012, o deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) foi objeto de uma reportagem no jornal britânico The Guardian (ler aqui). O texto exalta o esforço de Wyllys - "primeiro deputado assumidamente gay" - em sua luta contra a "direita religiosa" e a "homofobia". Segundo o subtítulo da matéria, a atuação do deputado estaria provocando o "ódio" de "fanáticos religiosos", não impedindo contudo que, corajosamente, ele desse prosseguimento à sua luta.
O movimento gay tem se beneficiado largamente da "espiral do silêncio", que o protege de críticas e da necessidade de um exame mais cuidadoso de seus pressupostos e objetivos. Trata-se de um poder considerável. Pela recorrência com que a palavra "homofobia" aparece nos meios de comunicação, as pessoas passam a ficar intimidadas, com receio de que qualquer crítica ao movimento possa ser interpretada como intolerância e preconceito "de gênero". Ferir o politicamente correto é como cometer uma imoralidade ou um crime, e ninguém gosta de se sentir um criminoso em potencial. O poder do movimento gay consiste, precisamente, em espalhar indiscriminadamente tal sentimento, atingindo mesmo aquelas pessoas que jamais cometeriam ou tolerariam algum tipo de violência contra homossexuais, mas que têm, eventualmente, ressalvas ao movimento gay ou que, por razões de ordem particular (religiosas, filosóficas, psicológicas, morais etc.), demonstram algum desconforto com o comportamento de alguns homossexuais.
NOTAS:
1. Ver Girard, René. 2009. Mentira Romântica e Verdade Romanesca. São Paulo: É Realizações.
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Noto que a expressão "fanáticos religiosos" - um evidente juízo de valor - não foi utilizada entre aspas pelo autor da reportagem. Mesmo que, por coincidência, a expressão seja a mesma reiteradamente utilizada pelo deputado para caracterizar seus oponentes, o The Guardian não viu qualquer problema em utilizar a categoria de acusação, evidentemente parcial, de maneira descritiva, como se não passasse de um termo técnico e neutro. Mais ainda: desprezando o código de ética jornalística e, sobretudo, o senso de justiça e o direito elementar ao contraditório, o jornal britânico não se preocupou em dar voz a nenhum dos "fanáticos religiosos" mencionados. Quando cita o nome de um pastor contrário a Wyllys, o faz apenas para reforçar a imagem do deputado como alvo de ódio e intolerância. Tudo isso permite aos leitores da matéria notar que seu formato é menos o de uma reportagem jornalística do que o de um panfleto de propaganda ideológica.
O objetivo do panfleto é um só: gravar nos leitores a impressão de Jean Wyllys como uma espécie de Dom Quixote dos direitos civis, enfrentando sozinho poderosas forças obscurantistas, hidrófobas e fanáticas. E é o próprio Sr. Wyllys quem, finalmente, dá nome aos bois, assumindo com gosto a persona que o jornal lhe atribuía de antemão: "It's a difficult battle to fight. Sometimes I feel like Dom Quixote, you know?".
Não é preciso tratar aqui do equívoco tão comum, reproduzido pelo Sr. Wyllys, de interpretar Dom Quixote numa chave romântica, como se Cervantes tivesse pretendido exaltar os belos sonhos de um idealista e não, ao contrário, apontar a patética insanidade do "cavaleiro de triste figura", vítima exemplar daquilo que René Girard, inicialmente a respeito do próprio Dom Quixote, chamou de "desejo mimético"¹. Quero apenas examinar melhor o estatuto deste auto-intitulado Dom Quixote, de imediato tão sui generis, por poder dispor de um importante jornal estrangeiro para expressar suas idéias, privilégio negado, por exemplo, aos "fanáticos religiosos" seus opositores. Ou seja, a mera existência e a própria estrutura da reportagem/panfleto já começam a borrar um pouco a imagem que pretendia veicular, qual seja a de um cavaleiro solitário em luta contra um exército de gigantes. Na obra-prima de Cervantes, Dom Quixote de La Macha contava apenas com a companhia de seu fiel escudeiro Sancho Pança e, no embate com os seus "gigantes", nem mesmo isso. Já o nosso nobre fidalgo, Dom Wyllys de Alagoinhas, conta, pelo menos, com o auxílio de um grande jornal como o The Guardian. Os "gigantes", por sua vez, coitados, a depender do jornal britânico, assumirão sua condição inicial e permanecerão mudos como moinhos-de-vento.
Mas o The Guardian não é o único aliado do Sr. Jean Wyllys em sua luta heróica contra os "fanáticos religiosos". Ele tem também o apoio da maior emissora de televisão do Brasil, e uma das maiores do mundo, a TV Globo, por meio da qual, aliás, ele começou a se tornar uma figura pública, e sem a qual jamais teria conseguido os magros 13 mil votos que, graças ao sistema de proporcionalidade, acabaram elegendo-o, na esteira do deputado Chico Alencar. A TV Globo vem, há anos, militando em favor da agenda "anti-homofóbica", que é a mesma do ex-BBB. Dentre os autores e diretores de novelas - o principal produto da emissora -, vários são militantes históricos do movimento gay, como Agnaldo Silva e Gilberto Braga, que têm colocado personagens gays e tratado de temas gays em suas novelas com uma constância quase obsessiva. Por outro lado, você não verá, nas novelas da Globo, personagens cristãos e temas religiosos. Quando aparecem, são usualmente tratados de maneira negativa, ora como moralistas hipócritas, ora como defensores de poderosos e exploradores (pense-se, por exemplo, na novela Roque Santeiro). Em suma, além do The Guardian, o nosso curioso Dom Quixote, cada vez menos solitário, conta também com o suporte da maior emissora do país para divulgar sua agenda. E os "gigantes", os "fanáticos religiosos"? Esses, cada vez mais moinhos, cada vez mais mudos e cada vez mais imóveis.
Mas, além da Globo, toda a classe falante brasileira apóia a agenda do Sr. Wyllys e igualmente ataca aqueles que chama de "fanáticos religiosos". Com raríssimas exceções, o leitor não verá intelectuais, jornalistas, juízes, artistas, cineastas etc. defendendo os valores cristãos da família e do casamento heterossexual e monogâmico. Ao contrário, a classe falante, os formadores de opinião, estarão todos sustentando mais ou menos os mesmos argumentos e bandeiras do deputado LGBT. Eles próprios militam contra a "homofobia" - categoria utilizada de maneira espantosamente elástica - e a "direita religiosa". Esta entrevista de Wyllys à jornalista Marília Gabriela, por exemplo, ilustra bem o tom geral de apoio que a classe falante reserva ao deputado. Temos, então, ao lado do The Guardian e da TV Globo, a totalidade da classe falante nacional no apoio à agenda do ex-BBB. É o milagre da multiplicação dos Sanchos Pança.
O governo brasileiro, como se sabe, é outro que encampa a bandeira do Sr. Wyllys. O combate à "homofobia" e os "direitos" dos homossexuais estão na lista de prioridades do governo, que financia o movimento gay nacional com dinheiro público de estatais, como a Petrobrás e a Caixa Econômica Federal, e de convênios com organismos internacionais. A ABGLT (Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros), por exemplo, recebe um montante anual que varia de R$ 30.000,00 a R$ 100.000,00, por meio de um convênio entre o Ministério da Saúde, a UNESCO e o grupo gayzista militante Somos (ver aqui).
O Supremo Tribunal Federal, como sabemos, e o próprio deputado reconhece na entrevista à Marília Gabriela acima mencionada, é outro que apóia a causa gayzista. Assim como o Sr. Wyllys, os ministros do Supremo - que não são eleitos pela população - consideraram que o Poder Legislativo estava "atrasado" na questão dos direitos dos gays e, interpretando o texto constitucional da mesma maneira que o Sr. Wyllys e os militantes do movimento gay interpretariam, aprovaram a união civil entre homossexuais, passando por cima da letra da lei e desprezando a representatividade do Congresso. Os argumentos utilizados pelos ministros do STF, como mostrei em outro post, foram idênticos aos utilizados pela militância gayzista. O Ministro Ayres Britto, relator do caso, chegou a dizer que a sexualidade "é um ganho, um bônus, um regalo da natureza" (ver aqui), ignorando assim, num surto de abstracionismo lírico, a necessidade da sexualidade (hétero) para a reprodução da espécie. Tratou-se, portanto, de uma importante vitória ideológica para o Sr. Wyllys e seus camaradas.
O Supremo Tribunal Federal, como sabemos, e o próprio deputado reconhece na entrevista à Marília Gabriela acima mencionada, é outro que apóia a causa gayzista. Assim como o Sr. Wyllys, os ministros do Supremo - que não são eleitos pela população - consideraram que o Poder Legislativo estava "atrasado" na questão dos direitos dos gays e, interpretando o texto constitucional da mesma maneira que o Sr. Wyllys e os militantes do movimento gay interpretariam, aprovaram a união civil entre homossexuais, passando por cima da letra da lei e desprezando a representatividade do Congresso. Os argumentos utilizados pelos ministros do STF, como mostrei em outro post, foram idênticos aos utilizados pela militância gayzista. O Ministro Ayres Britto, relator do caso, chegou a dizer que a sexualidade "é um ganho, um bônus, um regalo da natureza" (ver aqui), ignorando assim, num surto de abstracionismo lírico, a necessidade da sexualidade (hétero) para a reprodução da espécie. Tratou-se, portanto, de uma importante vitória ideológica para o Sr. Wyllys e seus camaradas.
Mas, além do apoio oficial do Estado brasileiro, o deputado LGBT conta também com o suporte do governo da nação mais poderosa do mundo. O governo dos EUA, por meio do presidente Barack Obama e da Secretária de Estado Hillary Clinton, criou recentemente um "Fundo para os direitos LGBT", com valor inicial de US$ 3.000.000,00. Obama afirmou que a promoção dos direitos dos gays e o combate à "homofobia" são uma prioridade do seu governo. Hillary Clinton justificou a iniciativa nos seguintes termos: "Gay rights are human rights, and human rights are gay rights, once and for all" (ver aqui).
The Guardian, TV Globo, toda a classe falante nacional, governo brasileiro e governo norte-americano... Eis que surge um exército inteiro de Dons Quixotes em luta contra um moinho velho, menosprezado e solitário.
É claro que estou brincando um pouco. Mas só em relação aos opositores religiosos do movimento gay. Porque, em relação à rede de apoio à agenda do Sr. Wyllys, ela é, de fato, muito mais vasta e poderosa do que foi acima sugerido. É verdade que os adversários políticos do deputado - aqueles que o The Guardian, para fins depreciativos, chama de "a direita religiosa" - contam com um certo poder político e financeiro. Eles não são exatamente um moinho velho, menosprezado e solitário. Há programas evangélicos na televisão, onde pastores pregam a Bíblia abertamente. Há pastores eleitos como deputados, formando a chamada "bancada evangélica", principal força de oposição ao movimento LGBT. Há grandes igrejas evangélicas, cujos líderes dispõem de um poder econômico considerável. Tudo isso é verdade. E, no entanto, comparada ao poderio midiático e financeiro do lobby gayzista, a força político-cultural dos evangélicos brasileiros chega a dar pena.
No aspecto financeiro, além de receber grandes quantias de verba pública, o movimento gay brasileiro é subsidiado pelo movimento gay internacional, cujo dinheiro provém de grandes fundações bilionárias do capitalismo global (Ford, Rockefeller, George Soros etc.). A Human Rights Campaign (HRC), por exemplo, um dos principais grupos de pressão a favor do lobby gayzista, dispõe de um orçamento anual de mais de US$ 50.000.000,00, que repassa para movimentos LGBT ao redor do planeta (ver aqui). A Fundação Ford sozinha vem concedendo, ano após ano, grants que variam de US$ 100.000,00 a US$ 300.000,00 à International Gay and Lesbian Human Rights Comission (ver aqui). Mega-empresas como a Microsoft e a Nike fazem campanha aberta a favor do casamento gay (ver aqui). E os exemplos poderiam ser multiplicados indefinidamente...
Mas a discrepância de poder entre o movimento gay brasileiro e os seus opositores cristãos revela-se ainda mais notável no que se refere ao controle da opinião pública. Os programas de televisão evangélicos só são assistidos por evangélicos. As informações que ali circulam não são acessíveis a quem não pertença àquele grupo social. Os meios de expressão dos religiosos são facilmente identificados como parciais e prosélitos. Tudo o que vem dali é, a priori, tido como de interesse restrito, sem validade genérica. Lemos freqüentemente na imprensa a opinião de que os religiosos podem expressar sua crença e suas opiniões, mas que, como o Estado é laico, elas devem restringir-se ao âmbito da igreja. O religioso, mesmo quando dispõe de meios de expressão, fala sempre com a voz do particular. Sua visão de mundo não tem legitimidade para além dos seus.
O mesmo não acontece com os gayzistas e simpatizantes. O The Guardian, por exemplo, mesmo quando faz um nítido proselitismo em favor do movimento gay, mostrando-se francamente depreciativo em relação aos seus opositores, não é considerado um veículo parcial. Ele é lido por todos, não apenas por militantes gayzistas. Assim também a TV Globo. Embora venha, há anos, praticando uma militância anti-conservadora e pró-LGBT, ninguém vê a emissora como parcial neste sentido. Ela é assistida por todos, não apenas por militantes gayzistas. Ou seja, enquanto o cristão tradicionalista fala com a voz do particular, os gayzistas falam com a voz do universal. Os meios de expressão utilizados por eles são aqueles considerados standards, neutros e genéricos. Mesmo quando atuam nitidamente em nome de causas particulares, eles são reconhecidos como representantes legítimos de uma universalidade trans-grupal, compondo assim uma média da opinião pública. Quem tem o poder de determinar essa média (donde as palavras "media", em inglês, "mídia", em português etc.) vence a guerra cultural desde o início, pois consegue impor aos adversários aquilo que a cientista política Elisabeth Noelle-Neumann chamou de "espiral do silêncio".
É importante notar que a opinião pública média não corresponde necessariamente às idéias e valores da maioria da população de um país. No Brasil, por exemplo, aquela média está totalmente descolada do grosso da população, cujos valores são conservadores, religiosos e tradicionalmente moralistas. A média da opinião pública brasileira é formada, ao contrário, por uma elite cultural anti-religiosa, de esquerda e anti-tradicionalista. Tal elite cultural tem o seu próprio moralismo, que é o politicamente correto. Por isso, mesmo gostando de posar de amiga dos "excluídos", ela sente verdadeiro desprezo pelos valores da maior parte da população, a quem considera "ignorante", "despreparada", "reacionária" etc. O deputado Jean Wyllys, por exemplo, perguntado certa vez sobre um eventual plebiscito para decidir a aprovação do casamento gay, afirmou que aquilo seria uma "tragédia" (sic). Em suas palavras: "a população brasileira, que não é devidamente informada vai, por exemplo, aprovar a pena de morte, vai aprovar a redução da maioridade penal, ou seja, a gente não pode deixar na mão de uma sociedade que não é devidamente informada determinados temas" (ver aqui). Fica claro que, para o Sr. Wyllys, como para grande parte da classe à qual ele pertence (classe não no sentido econômico, mas no sentido cultural), a opção por certos valores dos quais ele discorda só pode ser fruto de má informação. O raciocínio é que, se as pessoas fossem ensinadas, educadas e informadas, todas pensariam naturalmente como o Sr. Jean Wyllys. Até que isso ocorra, elas não devem ter o direito de se manifestar e, muito menos, de decidir sobre questões públicas. O deputado LGBT parece sentir pela população que lhe deu a vitória no Big Brother o mesmo desprezo que Voltaire e outros iluministas sentiam pelos pobres franceses, a quem chamavam "la canaille" ("a gentalha", "o populacho").
Como se obtém o poder de determinar a média da opinião pública? É simples. Basta fazer como o The Guardian, associando repetida e insistentemente aos adversários ideológicos - que, no caso da classe falante brasileira, são os cristãos conservadores e moralistas, ou seja, a maior parte da sociedade - adjetivos tais como "fanáticos", "extremistas", "ultra-religiosos", "reacionários" etc., dando com isso a impressão de que possuem uma visão parcial e radical do mundo, que escaparia à racionalidade normal da opinião pública. Deste modo, a exótica visão de mundo de uma minoria acaba fazendo as vezes da normalidade sadia, enquanto que os valores da maioria são ridicularizados e desprezados como aberrações patológicas, fruto de mentalidades atrasadas e pouco esclarecidas.
Comecei a notar aquele procedimento de nossos formadores de opinião por ocasião do debate sobre a aprovação do uso terapêutico de células-tronco embrionárias humanas (CTeh). Escrevi a respeito em um paper apresentado num congresso de antropologia (ver aqui). Era impressionante. Nos meios de comunicação, sempre que se fazia referência aos defensores da aprovação das pesquisas com as CTeh, evitava-se o uso de adjetivos ou, quando utilizados, eles eram positivos. Já para os opositores do projeto eram empregados, com espantosa freqüência, os adjetivos "fervorosos", "fundamentalistas", "militantes", "ultra-conservadores", entre outros de mesmo teor. Ou seja, independente do mérito da questão, um observador de fora que lesse a cobertura jornalística seria levado naturalmente a concluir: "esses caras que se opõem à pesquisa com as CTeh são uns religiosos fanáticos, que só falam em causa própria. Devem estar errados e, portanto, eu fico com o outro lado, com a média".
O natural temor humano de isolamento em relação à opinião média é um componente essencial para o sucesso da "espiral do silêncio". Apresentar uma opinião, ou mesmo informação, que escape ao nível médio de conhecimento produz em quem o faz a curiosa sensação de ser um alienígena. Em festas, bares, casa de amigos, o sujeito que não opina conforme a média arrisca gerar um clima ruim e ser tratado com desconfiança. Com o tempo, este sujeito acaba silenciando ou, então, acomodando suas visões à visão de todos no entorno. Eu mesmo já experimentei algumas vezes essa curiosa sensação. Nas vezes, por exemplo, em que critiquei o presidente norte-americano Barack Obama num evento qualquer, as pessoas olhavam-me como se eu estivesse negando a lei da gravidade ou afirmando a existência de um quadrado redondo. Como a imprensa brasileira é unanimemente pró-Obama, reservando aos seus adversários aqueles rótulos de sempre - "extremistas", "fundamentalistas", "ultra-religiosos" etc. -, as pessoas, reféns do simbolismo sentimentalista do "primeiro presidente negro", sequer concebiam que alguém pudesse criticar Obama por boas razões. Assim, eu, que havia lido cinco livros sobre a biografia e trajetória política do presidente norte-americano (incluindo sua autobiografia), além de dezenas de artigos e registros de fontes primárias, encontrava-me, por vezes, na estranha situação de ser "corrigido" por pessoas que só sabiam de Obama aquilo que assistiam em rápidas matérias de 30 segundos no Jornal Nacional. Naquele contexto, a minha posição, por mais fundamentada que fosse, é que aparecia como excêntrica e exagerada, indigna sequer de ser ouvida com atenção. Assim funciona o mecanismo da "espiral do silêncio".
No Brasil, há ainda um agravante. Se você fornece uma nova informação para uma pessoa, ou se recomenda alguma leitura que considere essencial para a compreensão de um dado assunto, aquela pessoa se sentirá profundamente ofendida. Logo, além de ser considerado um alienígena, você será considerado também um arrogante, tentando ganhar a discussão por meio de um "argumento de autoridade". Nesse ambiente, as pessoas que têm conhecimento real de determinado assunto, e que poderiam contribuir com informações pertinentes que escapem à opinião média, tendem a reprimir sua posição, com medo de, primeiro, passar-se por excêntrico e, segundo, por arrogante e autoritário. E, assim, a "espiral do silêncio" avança sem resistências. Opiniões mal fundamentadas e arbitrárias propagam-se, enquanto informações corretas acabam soterradas sob uma avalanche de ressentimento e ignorância orgulhosa. Nas palavras da autora do conceito:
Comecei a notar aquele procedimento de nossos formadores de opinião por ocasião do debate sobre a aprovação do uso terapêutico de células-tronco embrionárias humanas (CTeh). Escrevi a respeito em um paper apresentado num congresso de antropologia (ver aqui). Era impressionante. Nos meios de comunicação, sempre que se fazia referência aos defensores da aprovação das pesquisas com as CTeh, evitava-se o uso de adjetivos ou, quando utilizados, eles eram positivos. Já para os opositores do projeto eram empregados, com espantosa freqüência, os adjetivos "fervorosos", "fundamentalistas", "militantes", "ultra-conservadores", entre outros de mesmo teor. Ou seja, independente do mérito da questão, um observador de fora que lesse a cobertura jornalística seria levado naturalmente a concluir: "esses caras que se opõem à pesquisa com as CTeh são uns religiosos fanáticos, que só falam em causa própria. Devem estar errados e, portanto, eu fico com o outro lado, com a média".
O natural temor humano de isolamento em relação à opinião média é um componente essencial para o sucesso da "espiral do silêncio". Apresentar uma opinião, ou mesmo informação, que escape ao nível médio de conhecimento produz em quem o faz a curiosa sensação de ser um alienígena. Em festas, bares, casa de amigos, o sujeito que não opina conforme a média arrisca gerar um clima ruim e ser tratado com desconfiança. Com o tempo, este sujeito acaba silenciando ou, então, acomodando suas visões à visão de todos no entorno. Eu mesmo já experimentei algumas vezes essa curiosa sensação. Nas vezes, por exemplo, em que critiquei o presidente norte-americano Barack Obama num evento qualquer, as pessoas olhavam-me como se eu estivesse negando a lei da gravidade ou afirmando a existência de um quadrado redondo. Como a imprensa brasileira é unanimemente pró-Obama, reservando aos seus adversários aqueles rótulos de sempre - "extremistas", "fundamentalistas", "ultra-religiosos" etc. -, as pessoas, reféns do simbolismo sentimentalista do "primeiro presidente negro", sequer concebiam que alguém pudesse criticar Obama por boas razões. Assim, eu, que havia lido cinco livros sobre a biografia e trajetória política do presidente norte-americano (incluindo sua autobiografia), além de dezenas de artigos e registros de fontes primárias, encontrava-me, por vezes, na estranha situação de ser "corrigido" por pessoas que só sabiam de Obama aquilo que assistiam em rápidas matérias de 30 segundos no Jornal Nacional. Naquele contexto, a minha posição, por mais fundamentada que fosse, é que aparecia como excêntrica e exagerada, indigna sequer de ser ouvida com atenção. Assim funciona o mecanismo da "espiral do silêncio".
No Brasil, há ainda um agravante. Se você fornece uma nova informação para uma pessoa, ou se recomenda alguma leitura que considere essencial para a compreensão de um dado assunto, aquela pessoa se sentirá profundamente ofendida. Logo, além de ser considerado um alienígena, você será considerado também um arrogante, tentando ganhar a discussão por meio de um "argumento de autoridade". Nesse ambiente, as pessoas que têm conhecimento real de determinado assunto, e que poderiam contribuir com informações pertinentes que escapem à opinião média, tendem a reprimir sua posição, com medo de, primeiro, passar-se por excêntrico e, segundo, por arrogante e autoritário. E, assim, a "espiral do silêncio" avança sem resistências. Opiniões mal fundamentadas e arbitrárias propagam-se, enquanto informações corretas acabam soterradas sob uma avalanche de ressentimento e ignorância orgulhosa. Nas palavras da autora do conceito:
"Hoje já é possível provar que, mesmo quando sabem claramente que algo está errado, as pessoas se manterão em silêncio se a opinião pública (opiniões e comportamentos que podem ser exibidos em público sem o medo do isolamento) e, portanto, o consenso sobre o que constitui o bom gosto e a opinião moralmente adequada, estiver contra elas" (p. x).
O movimento gay tem se beneficiado largamente da "espiral do silêncio", que o protege de críticas e da necessidade de um exame mais cuidadoso de seus pressupostos e objetivos. Trata-se de um poder considerável. Pela recorrência com que a palavra "homofobia" aparece nos meios de comunicação, as pessoas passam a ficar intimidadas, com receio de que qualquer crítica ao movimento possa ser interpretada como intolerância e preconceito "de gênero". Ferir o politicamente correto é como cometer uma imoralidade ou um crime, e ninguém gosta de se sentir um criminoso em potencial. O poder do movimento gay consiste, precisamente, em espalhar indiscriminadamente tal sentimento, atingindo mesmo aquelas pessoas que jamais cometeriam ou tolerariam algum tipo de violência contra homossexuais, mas que têm, eventualmente, ressalvas ao movimento gay ou que, por razões de ordem particular (religiosas, filosóficas, psicológicas, morais etc.), demonstram algum desconforto com o comportamento de alguns homossexuais.
NOTAS:
1. Ver Girard, René. 2009. Mentira Romântica e Verdade Romanesca. São Paulo: É Realizações.
(Ir para a Parte II)
Caro Flávio,
ResponderExcluirSó tenho uma correção. Em verdade, meia correção: Wyllys não se elegeu com auxílio da Globo. Não teria sido - não foi, de fato - suficiente. Ele teve pouco mais de 13 mil votos, o que o colocaria, no máximo como um vereador.
Porém, pelo incrível e maravilhoso sistema eleitoral legal brasileiro, ele conseguiu se eleger deputado federal com ajuda do quociente eleitoral, que é o que determina o número de cadeiras a quem tem direito cada partido nas eleições proporcionais. E o número de votos total da legenda é determinante para a definição do quociente.
Isso criou a figura do "puxador de votos", mais conhecida, atualmente, como "efeito Tiririca". Um postulante desproporcionalmente bem votado acaba gerando um quociente eleitoral alto e garantindo assento para colegas de partido ou coligação. É por isso que legendas pequenas costumam convidar "celebridades" para se candidatarem: elas "puxam voto" para o partido.
No caso, o "Tiririca" de Wyllys foi o Chico Alencar, que teve pouco mais de 130 mil votos. Eu me lembro da eleição de 2002, em que o Enéas, campeão de votos naquela eleição, criou sozinho uma bancada do extinto PRONA e alçou à Câmara dos Deutados um camarada que teve 274 votos. É essa a explicação porque há sempre ex-artistas, ex-esportistas ex-qualquer coisa de notoriedade concorrendo, sempre por partidos pequenos, sem qualquer definição ideológica ou consistência programática.
Eu não disse que Wyllys teve votação de vereador à toa: em 2008, meu candidato teve votação pouco menor (12 mil e uns quebrados) e, por causa da legenda - que não teve bom desempenho geral -, não se elegeu. Do partido dele, só entreu quem teve mais votos do que isso, ao passo que muitos vereadores eleitos tiveram menos votos, o que demonstra como um critério metodológico estapafúrdio inserido numa lei pode distorcer profundamente a representação democrática.
A real representatividade de Wyllys (digo isso sem prejuízo de reconhecer a legitimidade democrática de seu mandato) é bem menor do que aquela que ele aparenta ter. Pena, mesmo, é que ele se esqueceu - se é que já soube - que, uma vez eleito, ele passa a ser representante inclusive de quem não votou nele.
Abraço!
Thiago - RJ
Você tem razão, Thiago. Obrigado pela correção. A coisa, então, é ainda pior. O sujeito não tem representatividade nenhuma e, no entanto, conta com uma rede bastante poderosa de apoio. Estamos mal parados.
ResponderExcluirAbraços,
Excelente.
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