quinta-feira, 22 de julho de 2010

Exercícios de Novilíngüa*: o significado de "polêmica"

Acho curioso o fato de que muita gente, inclusive gente inteligente, acredite que a TV Globo seja contra o governo Lula e contra o PT. Talvez essa visão seja herança dos tempos da ditadura, quando, pelo menos no início, a Globo foi oficialmente favorável ao golpe militar e ao anticomunismo. Mas, de lá para cá, tanta coisa já aconteceu, tanta água já rolou, a Globo já se modificou tanto – tendo, inclusive, acolhido profissionalmente vários daqueles antigos comunistas, como, por exemplo, no jornalismo, Franklin Martins, e, na tele-dramaturgia, Dias Gomes e Janete Clair – que me parece ser uma análise equivocada e preguiçosamente esquemática continuar associando a emissora ao anti-esquerdismo.

Atualmente, penso que não seria difícil encontrar indícios exatamente do contrário daquela tese inicial, indícios de que a Globo é, quase sempre, muito solidária ao atual governo, endossando, ainda que, é claro, não explicitamente, diversos de seus projetos para a sociedade brasileira. Gostaria, por ora, de lidar com um exemplo apenas: o recente projeto de lei que, complementando um artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente, pretende proibir as palmadas educativas.
No último domingo (18/07/2010), por exemplo, o programa Fantástico apresentou uma matéria sobre a lei das palmadas (Assistam). Ao longo do programa, várias chamadas anunciaram a matéria, indicando se tratar de uma questão “polêmica”. Os telespectadores, então, se prepararam para uma reportagem sobre algo não-decidido, ou difícil de decidir, tal qual se depreende do sentido da palavra “polêmica”.
Confesso que eu, pelo menos, nunca havia pensado na palmada em si como algo significativamente “polêmico” para a sociedade brasileira. Esclareço logo que, pessoalmente, não acho legal utilizar a violência na educação dos filhos. Penso que, de uma forma geral, há métodos mais inteligentes e eficazes. Mas creio que, na maior parte dos casos, os pais que, eventualmente, dão uma palmada nos filhos, também pensam assim. A palmada é dada, normalmente, no momento em que o pai perdeu a paciência, cujos limites foram testados pela criança. E, neste sentido pelo menos, a palmada tem algo de educativo: ela mostra para a criança que seus pais são seres humanos, portanto, sujeitos a emoções, e que podem, por isso mesmo, perder o controle se os filhos exageram no mau-comportamento. Não se pode negar que isto pode contribuir para o desenvolvimento do senso de empatia da criança, ou seja, a capacidade de perceber o outro como um sujeito, e não apenas como objeto de nossos desejos e vontades.
O ponto é que a palmada em si não é uma novidade na sociedade brasileira. Por que, se ela é algo tão polêmico, já não surgiram antes tantas reportagens sobre o assunto? A verdade é que a palmada não tem nada de muito polêmico, nem tira o sono de ninguém. O fato novo, a grande novidade, é a proposta de uma lei governamental que pretende proibir as palmadas. Esta é – ou, ao menos, deveria ser – a questão polêmica. A reportagem do Fantástico poderia ter colocado as seguintes perguntas: você é ou não a favor de que o governo tenha tamanha ingerência sobre a educação dos seus filhos? Você concorda com a idéia de que, por exemplo, qualquer estranho possa chamar a polícia se você der uma palmadinha no seu filho durante um passeio no Shopping Center? Mas o programa não colocou tais questões. A polêmica foi montada em torno da palmada em si. Ou seja, contrariando o bom senso jornalístico, a matéria desprezou o fato novo e relevante, atendo-se, em vez disso, a fatos corriqueiros e banais. A pergunta que o telespectador foi convidado a responder era: você é a favor ou contra a palmada na educação dos filhos?
Mas a coisa não ficou por aí. A reportagem se mostrou mais tendenciosa. Aparentemente contrariados com o resultado da votação – a maioria dos telespectadores (69%) foi favorável ao uso eventual e moderado da palmadinha –, os autores da matéria prosseguiram na intenção de ‘corrigir’ as pessoas que haviam opinado de tal forma. “A maioria dos telespectadores achou que a palmadinha é inevitável e serve para educar. Será mesmo?”, pergunta o apresentador, para depois introduzir uma nova reportagem sobre “o que concluiu um estudo feito nos EUA”. A reportagem informava sobre os danos psíquicos causados pela palmada, supostamente comprovados por “especialistas” (palavra mágica!) de universidades norte-americanas (Assistam). A estrutura da reportagem foi toda montada assim: convidava para uma polêmica, tomava o partido de um dos lados da polêmica – apresentando os adeptos da palmada sempre em situação inferiorizada, sendo educados e corrigidos por especialistas (psicólogos, conselheiros tutelares, pedagogos etc.) – e encerrava com uma lição de moral: dar palmadas é errado.
Tal conclusão apenas já seria bastante favorável à iniciativa do governo. Afinal, se dar palmadas é errado, uma lei que as proíba só pode ser benéfica. Mas isso não é tudo. Sobre a questão da lei propriamente, o Fantástico pouco disse diretamente, mas, de maneira velada, mostrou-se completamente pró-governo. A matéria cedeu espaço à posição do governo, representada pelas palavras do conselheiro tutelar Heber Boscoli: “A criança acha que ‘meu pai pode me bater, porque é meu pai e tem o direito’. Não tem o direito de bater”. A conclusão que se pode tirar destas palavras me parece clara: o governo pretende ensinar às crianças que o respeito e reverência que elas demonstram em relação à autoridade dos pais devem ser revistos. Pois bem. O Fantástico não entrevistou nenhuma pessoa que pudesse questionar esta posição do governo, e me parece que ela é altamente questionável. 
Diz um trecho da reportagem: “Pelo projeto, atitudes para punir ou disciplinar não podem machucar nem causar nenhum tipo de dor. Crianças e adolescentes também não podem ser humilhados nem ameaçados”. Note-se, portanto, que, se a lei for aprovada, um pai que for surpreendido na rua ameaçando o filho de castigo se ele não parar de fazer birra, pode ser interpelado pelas autoridades. E o que será que o governo considera “humilhação”? Repreender o filho na frente dos outros, por exemplo, constitui “humilhação”? Para esclarecer a posição do governo – e para que ninguém acredite se tratar de uma lei autoritária e absurda –, a reportagem cede a palavra a Carmem Oliveira, subsecretária nacional de Direitos da Criança e do Adolescente:  “A nossa preocupação é com palmadas reiteradas ou a palmada que vai à surra e que vai ao espancamento, que vai agravando a conduta de violência”. Olhando assim, parece ser uma posição razoável. Afinal, quem, em sã consciência, vai concordar com surras e espancamentos de crianças? Acontece que o texto da nova lei não fala em “surras” e “espancamentos” (até porque tais delitos já estão previstos legalmente), mas em palmada. A lei pretende simplesmente proibir a palmada, seja umazinha apenas ou mais de dez.
Por último, me parece evidente que a preocupação do governo é menos com o bem-estar das crianças e mais com o aumento de sua autoridade sobre a vida privada das pessoas. Creio que este caso das palmadas se insere num amplo projeto totalitário de ocupação de espaços pelo Estado, assunto que é um dos interesses principais deste blog. Trata-se, com esta lei, de esvaziar a influência da família sobre os filhos, minando o pátrio poder até que, no limite, a hierarquia familiar seja rompida e substituída pela tutela estatal. Pais e filhos já não estarão mais diferenciados hierarquicamente – diferença essencial para que a própria noção de família faça sentido –, passando a ser tratados, ambos, como partes equivalentes perante o Estado, este sim, educador soberano e figura única de autoridade. Ora, quem realmente se preocupa com as crianças não pensaria em sugerir que elas relativizem a autoridade paterna, sendo os pais figuras que, naturalmente, os filhos admiram e tomam como modelo. Como poderia ser saudável para uma criança ver seu pai ser processado ou obrigado a tratamento psicológico por ter lhe dado palmadas? O que há de positivo em retirar a autoridade de uma mãe – tão fundamental na formação psíquica e moral de uma criança – e entregá-la nas mãos de algum burocrata do governo? 
Enfim, todas estas questões, que poderiam ter sido levantadas pela reportagem, não foram sequer concebidas. O atual governo segue seu projeto de expansão para dentro das vidas privadas dos brasileiros. E uma parcela significativa da imprensa, que poderia contribuir para frear esse processo, comporta-se de maneira omissa e subserviente. O programa Fantástico prestou um grande desserviço à sociedade brasileira ao não lidar com o aspecto central da questão, que dizia respeito às relações entre Estado e sociedade civil. Em compensação, prestou um belo serviço ao governo quando embelezou, por meio de matéria tendenciosa e diversionista, o tal projeto de lei anti-palmada. Como eu havia dito em outro post, no Brasil de hoje, palavras como "polêmica" e "debate" são letra morta: o mérito já está decidido de antemão.



quarta-feira, 21 de julho de 2010

Adendo ao Post Anterior

Se, com todas as evidências listadas na cronologia (ver post anterior), a imprensa continua a desprezar a questão como mera “futrica”, é porque já não vivemos em uma democracia e perguntas decisivas para o futuro do país não podem mais ser feitas. O fato é que, para processar quem quer que afirme haver ligações entre o partido e as FARC, o PT vai precisar processar todos os jornais elencados acima, além de juízes, delegados e policiais. Além disso, o PT teria que renegar publicamente tudo o que fez nestes 20 anos de existência do Foro de São Paulo. Mas isso ele não pode nem quer fazer. O que o PT vai fazer é aquilo que já está fazendo: simular uma cara de dignidade ofendida, adotar uma postura indignada e histriônica até que, por vergonha ou medo de “pegar pesado”, as pessoas parem de falar no assunto. Se há uma coisa que todos no PT sabem fazer muito bem é se fingir de vítima, mesmo quando estão por cima da carne seca. E, nesse empreendimento, ao que parece, o PT poderá contar com o fiel auxílio da imprensa e dos analistas políticos, aparentemente tão ciosos em relação à fina estampa da nossa “festa da democracia”.

PT, FARC e narcotráfico: uma cronologia


Este post tem como base um artigo do filósofo e jornalista Olavo de Carvalho - o primeiro (e, por muito tempo, o único) jornalista no Brasil a falar em Foro de São Paulo -, intitulado "O Perigo sou Eu". Aproveitando a estrutura inicial daquele texto, e acrescentando-lhe mais dados e referências, o resultado é o que se segue. Esclareço que as fontes de informação utilizadas aqui são públicas, veiculadas pela imprensa, e acessíveis a qualquer pessoa. Logo, nenhuma informação foi inventada. O que fiz foi simplesmente estabelecer conexões entre os fatos. As conclusões ficam para o leitor. Eu já tirei as minhas. E, ao contrário do que diz Dilma Roussef, penso que o povo merece saber dessas coisas. Mais ainda, penso que o povo precisa saber. Todos precisamos saber que tipo de relações o governo de nosso país - um governo que pretende continuar, no mínimo, por mais 4 anos - mantém com as FARC. Caso contrário, a democracia não será mais que uma palavra bonita. 


Nota: esta cronologia poderá ser ampliada indefinidamente, à medida que surjam novas evidências das ligações do PT com as FARC, e os leitores estão convidados a contribuir com ela.

§1. Abril de 2001: o traficante Fernandinho Beira-Mar confessa que compra e injeta no mercado brasileiro, anualmente, duzentas toneladas de cocaína das FARC em troca de armas contrabandeadas do Líbano.


§2. Novembro de 2001: “Um documento elaborado pela Operação Cobra (sigla para Colômbia-Brasil) da Polícia Federal, encarregada de desarticular o narcotráfico na fronteira da Amazônia brasileira, identifica bases de produção de cocaína sob o domínio das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia)... Chamadas de complexos (conjunto de laboratórios de refino), as bases produzem mensalmente, segundo o relatório, cerca de 45 toneladas do cloridrato de cocaína. A droga partiria em aviões de pistas clandestinas na Colômbia para Europa e os Estados Unidos e até para o Brasil. ‘Não temos mais dúvidas das relações das FARC com o narcotráfico. A guerrilha tem o comando das drogas e isso é uma ameaça para a fronteira brasileira’, afirma o delegado Mauro Spósito, coordenador da Operação Cobra’”. (Reportagem na Folha Online de 11/11/2001. Ler na íntegra).


§3. Dezembro de 2001: O Foro de São Paulo, coordenação do socialismo latino-americano, sob a presidência do Sr. Luís Inácio Lula da Silva, lança um manifesto de apoio incondicional às FARC, no qual classifica como “terrorismo de Estado” as ações militares do governo colombiano contra essa organização. Diversos partidos políticos e organizações latino-americanas subscrevem o documento, entre elas o PT (ver “Resolução de Condenação ao Plano Colômbia e apoio ao povo colombiano”, no Xº Encontro do Foro de São Paulo, ocorrido em dezembro de 2001 em Havana, Cuba. Ver o §19 abaixo.


§4. Maio de 2002: “Apreensão de 62 quilos de cocaína revela a rota das FARC para enviar a droga da Colômbia ao Brasil. Até a semana passada, o traficante carioca Fernandinho Beira-Mar, preso no Rio de Janeiro, era o principal exemplo da ligação entre o narcotráfico no Brasil e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), a guerrilha que mantém o país vizinho em guerra civil. Beira-Mar foi preso há um ano pelo Exército colombiano, quando comprava cocaína das FARC. Na tarde da quinta-feira, uma operação da Polícia Federal no porto da cidade amazonense de Tefé estabeleceu um novo elo dessa conexão. Os policiais apreenderam 62 quilos de cocaína fornecidos a brasileiros pelo comandante Rafael Oyola Zapata, o principal líder das FARC na Amazônia colombiana, com um quartel-general em Puerto Santander, às margens do Rio Caquetá. Depois de ‘batizada’, isto é, misturada a ingredientes pouco nobres, essa remessa renderia uns 180 quilos, já com destino certo: os consumidores de Fortaleza, do Recife e do Rio de Janeiro” (Revista Época).


§5. Outubro de 2002: Ao vivo na televisão, Lula dá um cala-boca no jornalista Boris Casoy, ao ser perguntado sobre um suposto eixo Lula-Castro-Chavez. Em tom intimidador, Lula se dirige a Casoy: “tem certas coisas que é melhor você nem ficar falando”. Notem que, em seguida, Lula tenta desviar o assunto: "Houve um tempo em que havia uma aliança do mal aqui, que era Collor, Menen, Fujimori e Salinas". Ora, ora. Será o mesmo Collor que é apoiado agora pelo mesmo Lula? Confiram o jingle da campanha do Collor nesse ano. E aqui a entrevista de Lula a Boris Casoy. Ver §14 abaixo.


§6. Outubro de 2002: O PT, através do assessor para assuntos internacionais da campanha eleitoral de Lula, Giancarlo Summa, afirma em nota oficial que o partido nada tem a ver com as FARC e que o Foro de São Paulo é apenas “um foro de debates, e não uma estrutura de coordenação política internacional”. Noto que este “foro de debates” emitia resoluções ao final dos encontros, o que não costuma acontecer em eventos dedicados a debates e conversas. Ver §3 acima e §13 e §23 abaixo.


§7. Outubro de 2002: Em entrevista ao jornal francês Le Monde (1/10/2002), Lula confessa que a eleição era apenas “uma farsa necessária para se chegar ao poder”. Segue-se trecho da reportagem original:


Le Monde: La gauche brésilienne aux marches du pouvoir
“En privé, Lula, âgé de 56 ans, pense tout haut que l'élection est une
farce et qu'il faut en passer par là pour prendre le pouvoir. D'où, entre autres innovations difficilement digérées par les ultras du parti, sa décision de confier l'organisation de sa campagne au gourou national du marketing politique, Duda Mendonça”


§8. Outubro de 2002: Paralelamente, o assessor de Lula para assuntos internacionais, Marco Aurélio Garcia (aquele mesmo do “top top” e “fuc fuc” quando da explosão do avião da TAM, lembram? Se não lembram, revejam), declarava ao jornal argentino La Nación: “A impressão de que o PT foi para o centro surge do fato de que tivemos de assumir compromissos que estão nesse terreno. Isso implica que teremos de aceitar inicialmente algumas práticas. Mas isso não é para sempre” (Confira aqui). Vale relembrar um pouco as visões políticas de Garcia. Na revista Teoria e Debate (São Paulo, julho/dezembro de 1990, nº 12. Extrato do artigo “Terceira Via: a social-democracia e o PT”), Marco Aurélio Garcia descreve seu partido político, o PT, como “radical, de esquerda, socialista”. Em um artigo que escreveu sobre o Manifesto Comunista de Karl Marx, Garcia conclui: “A agenda é clara. Se o horizonte que buscamos é o comunismo, é hora de reconstruí-lo” (Aurélio Garcia, Marco. Teoria e Debate, 26 de janeiro de 2001, nº 36: “O Manifesto e a refundação do comunismo”).


§9. Março de 2003: O governo petista recusa-se a classificar as FARC como organização terrorista, conforme solicitava o presidente da Colômbia, Álvaro Uribe. Siga o link. Até hoje (julho de 2010), a posição do PT se mantém igual quanto a esta questão.


§10. Maio de 2003: “A polícia apreendeu 15 quilos de cocaína, ontem, na favela Beira-Mar, reduto do traficante Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar. O símbolo das FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), grupo guerrilheiro com quem ele trocava cocaína por armas, estava na embalagem da droga”. (O Estado de São Paulo).


§11. Agosto de 2003: Raul Reyes, comandante das FARC, concede entrevista à Folha de São Paulo. Segue um pequeno trecho:

Folha de S.Paulo - O sr. conheceu Lula?

ReyesSim, não me recordo exatamente em que ano, foi em San Salvador, em um dos Foros de São Paulo.

Folha - Houve uma conversa?

ReyesSim, ficamos encarregados de presidir o encontro. Desde então, nos encontramos em locais diferentes e mantivemos contato até recentemente. Quando ele se tornou presidente, não pudemos mais falar com ele.

(...)

Reyes – As FARC têm contatos não apenas no Brasil com distintas forças políticas e governos, partidos e movimentos sociais...

Folha – O senhor pode nomear as mais importantes?

Reyes – Bem, o PT, e, claro, dentro do PT há uma quantidade de forças; os sem-terra, os sem-teto, os estudantes, sindicalistas, intelectuais, sacerdotes, historiadores, jornalistas...

Folha – Quais intelectuais?

Reyes – [O sociólogo] Emir Sader, Frei Betto [assessor especial de Lula] e muitos outros.

*Ler entrevista na íntegra aqui

** Em seu programa de televisão, Chavez contou como conheceu Lula e Raúl Reyes num encontro do Foro de São Paulo em 1995. Assistam (Chavez dá com a língua nos dentes por volta do 3m17s de vídeo).


§12. Março de 2005: Estoura o escândalo dos cinco milhões de dólares das FARC que um agente dessa organização, o falso padre Olivério Medina, afirmou ter trazido para a campanha eleitoral do PT. Um funcionário da ABIN esteve presente no churrasco entre militantes petistas e Olivério Medina, no qual este último entregava o serviço. O assunto é investigado superficialmente e logo desaparece do noticiário (reportagem na Veja de 16 de março de 2005).


§13. Julho de 2005: Discursando no 15º aniversário do Foro de São Paulo, o Sr. Luís Inácio Lula da Silva entra em contradição com o §6 acima, confessando que o Foro é uma entidade secreta, “construída para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política”, que essa entidade interferiu ativamente no plebiscito venezuelano e que ali, em segredo, ele próprio tomou decisões de governo junto com Chávez, Fidel Castro e outros líderes esquerdistas, sem dar ciência disto ao Parlamento ou à opinião pública. Confira. Ver §25 abaixo.


§14. Dezembro de 2005: Boris Casoy é demitido da Record, segundo ele por pressão do governo do PT, através de participação ativa de Zé Dirceu. Recorde-se o §5 acima. Confiram entrevistas aqui e também aqui.


§15. Abril de 2006: o chefe da Delegacia de Entorpecentes da PF do Rio, Vítor Santos, informa ao jornal O Dia que “dezoito traficantes da facção criminosa Comando Vermelho – entre eles pelo menos um da Favela do Jacarezinho e outro do Morro da Mangueira – vão periodicamente à fronteira do Brasil com a Colômbia para comprar cocaína diretamente com guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC). Os bandidos são alvo de investigação da Polícia Federal. Eles ocuparam o espaço que já foi exclusivo de Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar”.


§16. Maio de 2006: No dia 12, o PCC em São Paulo lança ataques que espalham o terror entre a população. Posteriormente, em 27 de dezembro, seria a vez do Comando Vermelho fazer o mesmo no Rio de Janeiro.


§17. Julho de 2006: o Supremo Tribunal Federal, sob pressão de um vasto movimento político orquestrado pelo PT, concede asilo político ao falso padre Olivério Medina, agente das FARC no Brasil. Ver §12 acima.


§18. Dezembro de 2006: Ângela Maria Slongo, mulher de Olivério Medina, é nomeada pelo ministro da Pesca, Altemir Gregolin, para o cargo de oficial de gabinete II. Quando Ângela foi nomeada pelo Palácio do Planalto – lembre-se que o Ministério da Pesca é ligado diretamente ao gabinete do presidente da República –, Olivério Medina estava preso em Brasília, a pedido da Colômbia, seu país de origem, onde era acusado de atos terroristas e assassinatos. Link. A solicitação do emprego para a mulher de Medina foi feita por Dilma Roussef, então ministra-chefe da Casa Civil e hoje candidata à reeleição de Lula. O documento, assinado por Dilma, pode ser lido aqui. Os e-mails das FARC revelados na reportagem da revista Cambio (ver §26 abaixo) mostram definitivamente que a contratação de Angela foi fruto de uma negociação política sigilosa entre o PT e as FARC (ver aqui).

§19. Janeiro de 2007: Em reunião do Foro de São Paulo em San Salvador (El Salvador), as FARC fazem os maiores elogios ao PT por ter salvo da extinção o movimento comunista latino-americano por meio da fundação do Foro. Leiam a carta. Versão em português no jornal Pravda. Ver §3 e §6 acima.


§20. Maio de 2007: o juiz Odilon de Oliveira, de Ponta-Porã, divulga provas de que as FARC atuam no território nacional treinando bandidos do PCC e do Comando Vermelho em técnicas de guerrilha urbana. Confira.


§21. Agosto de 2007: Nos vídeos preparatórios de seu 3º Congresso Nacional, o PT admite, pela primeira vez de forma tão explícita, que seu objetivo é eliminar o capitalismo e implantar no Brasil um regime socialista. No mesmo vídeo, o PT fornece ainda um segundo desmentido às declarações de Giancarlo Summa (ver os §6 e §13 acima), ao confessar que o Foro de São Paulo é “um espaço de articulação estratégica”. Assista. Nota: Volta e meia, o PT consegue remover esse vídeo do YouTube. Já tive que corrigir o link diversas vezes, já que, por sorte, alguma boa alma guardou o vídeo e o recoloca no YouTube sempre que preciso. Contra a censura petista, só nos resta a persistência.


§22. Agosto de 2007: A Polícia Federal, por ordem do governo, deporta os atletas cubanos Erislandy Lara, de 24 anos, e Guillermo Rigondeaux, de 25, que abandonaram a delegação do Pan, fugindo da ditadura de Fidel Castro. Comparar com o §17 acima e o §27 abaixo.


§23. Setembro de 2007: Lula oferece o território brasileiro como sede para um encontro entre Hugo Chávez e os comandantes das FARC. Leia aqui. Remeter aos §3, §6 e §19 acima. Neste vídeo, Chávez conta como conheceu Lula e Raúl Reyes (ex-comandante das FARC, morto pelo exército colombiano) em um encontro do Foro de São Paulo.

§24. Outubro de 2007: No programa "Provocações", apresentado por Antonio Abujamra, José Dirceu, ao ser perguntado se poderia ter previsto o espantoso avanço da esquerda na América Latina, responde: "Prever não. Mas nós já lutávamos e trabalhávamos por isso. Inclusive porque nós criamos o Foro de São Paulo, que lutava para isso..." (ver aqui).


§25. Dezembro de 2007: No dia 6, em discurso de encerramento do Encontro de Governadores da Frente Norte do MERCOSUL, em Belém do Pará, Lula foi ainda mais explícito do que em seu discurso de julho de 2005 (ver §13 acima). Ele simplesmente narra como participou da fundação do Foro de São Paulo e como esta organização, da qual foi o primeiro presidente, se tornou, a partir de 1990, o comando estratégico da esquerda no continente. Com orgulho, Lula fala ainda que o Foro mudou o curso da história na América Latina, não apenas salvando da extinção o movimento comunista internacional mas entregando a ele o poder sobre várias nações e abrindo caminho para a sua expansão ilimitada. Leia o discurso na íntegra.


§26. Julho de 2008: A revista colombiana Cambio publica reportagem dizendo que a presença das FARC no Brasil atinge até as altas esferas do governo brasileiro. A conclusão foi tirada de e-mails encontrados no computador do ex-porta-voz internacional das FARC, Raúl Reyes (ver §11 acima). Nos e-mails de Reyes – cujo nome verdadeiro era Luis Edgar Devia e que foi morto por tropas colombianas em solo equatoriano em primeiro de março – são mencionados “cinco ministros, um procurador-geral, um assessor especial da Presidência, um vice-ministro, cinco deputados, um vereador e um juiz superior” brasileiros. Os citados são: o ex-ministro-chefe da Casa Civil José Dirceu, o ex-ministro de Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, a deputada distrital Erika Kokay, o chefe de Gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, o assessor especial de Assuntos Internacionais da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia (sempre ele!!!), o subsecretário de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos, Perly Cipriano, o secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, e o assessor presidencial Selvino Heck. Marco Aurélio Garcia desqualificou os e-mails, cuja autenticidade, no entanto, foi depois comprovada pela Interpol.
Matéria original da Revista Cambio
Matéria na Folha Online
Matéria no Globo
Ver também a matéria da revista colombiana El Tiempo
Só mais uma curiosidade. No conselho editorial da Revista America Libre – que é uma espécie de publicação oficial do Foro de São Paulo e foi fundada por Frei Betto, sendo atualmente dirigida por Emir Sader (ver §11 acima) – encontramos os nomes de Manuel Marulanda Vélez, vulgo “Tiro Fijo”, comandante e líder das FARC e de Gilberto Carvalho, nada mais nada menos do que o então chefe de Gabinete do Lula. Confira.


§27. Janeiro de 2009: Lula, através do Ministro da Justiça Tarso Genro, concede asilo político ao terrorista e assassino italiano Cesare Battisti. Comparar com os §17 e §22 acima.


§28. Junho de 2009: O presidente hondurenho Manuel Zelaya, cuja carreira política foi patrocinada por Hugo Chávez, é deposto legal e democraticamente – de acordo com a Constituição do país – por ter dado provas de que pretendia dar um golpe e se perpetuar no poder. Zelaya, é claro, mentiu, dizendo que nunca pretendeu a reeleição. Mas aqui está Zelaya propondo publicamente sua reeleição. O que fez o governo brasileiro, representando não os interesses nacionais, mas os interesses do eixo continental do Foro de São Paulo? Desprezou a soberania hondurenha e deu abrigo, na embaixada brasileira em Honduras, ao golpista deposto. Além disso, permitiu que Zelaya fizesse comício de dentro da embaixada, junto com seus correligionários armados. Quem estava com Zelaya e contra o governo interino de Honduras? Lula, Chávez, Morales, Correa, Ortega etc... Todos “companheiros” de Foro de São Paulo. O episódio foi marcante também pela atuação pusilânime de grande parte da imprensa, que, antes mesmo de consultar a Constituição Hondurenha, qualificou de imediato o evento como um “golpe de estado”, parecendo ter sido pautada por Hugo Chávez.


§29. Fevereiro de 2010: Lula visita Cuba e seu amigo Raúl Castro no mesmo dia em que um preso político, Orlando Zapata, morria ao protestar com uma greve de fome pelos maus tratos que os presos políticos cubanos (pacíficos, diga-se de passagem) vinham sofrendo. Lula, de maneira cínica, teve a cara de pau de colocar a culpa da morte na própria vítima, não esboçando qualquer mínimo ato de reprovação à ditadura cubana (ver aqui). Posteriormente, equiparou os presos políticos a presos comuns de Bangu I (ver aqui). Alguns presos políticos cubanos, agora exilados, querem que Lula peça desculpas. Vão esperar sentados, coitados. A foto que ilustra este post revela bem o clima de cordialidade entre velhos companheiros.


§30. Agosto de 2010: O PT responde com histrionismo e ameaças de processo às acusações do deputado Índio da Costa, candidato à vice-presidente na chapa de José Serra, de que o partido tem ligações com as FARC e o narcotráfico (ver post anterior sobre esse assunto). Ocorre que, na mesma semana em que assistimos a toda essa gritaria indignada, o PT fazia circular em seu site oficial o Documento-Base do XVIº Encontro do Foro de São Paulo, a realizar-se em Buenos Aires de 10 a 20 de agosto de 2010. No texto, os participantes do Foro protestam contra "a cruenta agressão armada de tropas colombianas, respaldadas pela tecnologia e pelos serviços de inteligência dos EUA, em território equatoriano, em Sucumbios, no dia 1º de março de 2008". Para o leitor desavisado, foi nesta data que o exército colombiano impôs uma dura derrota às FARC, ao matar um de seus principais líderes, Raul Reyes (o mesmo dos e-mails e da entrevista à Folha de São Paulo. Ver §11 e §25 acima). Ou seja, no momento mesmo em que nega de forma teatral as tais ligações com as FARC, o PT assina um documento prestando solidariedade aos narcoguerrilheiros, condenando o governo colombiano e lamentando a morte de Raul Reyes.


§31. Novembro de 2010: As FARC celebram a eleição de Dilma Roussef. Ver reportagem na Folha, Globo Online e Estadão.

§32. Julho de 2012: Em vídeo de encerramento do 18º encontro do Foro de São Paulo, Lula celebra as conquistas do Foro e dá apoio à reeleição de Hugo Chávez: "Em 1990, quando criamos o Foro de São Paulo, nenhum de nós imaginava que, em apenas duas décadas, chegaríamos onde chegamos. Naquela época, a esquerda só estava no poder em Cuba. Hoje, governamos [notem o uso da primeira pessoa do plural, que indica que é o Foro quem governa os países, e não seus presidentes de maneira soberana e independente] um grande número de países..." (ver aqui).


§33. Agosto de 2012: Ivan Pinheiro, secretário geral do Partido Comunista Brasileiro (PCB), confessa em entrevista: “Nosso partido, o PCB, foi um dos fundadores do Foro de São Paulo há 25 anos, e este nasceu com uma maioria de organizações comunistas e revolucionárias. Inclusive as FARC são fundadoras também e participaram durante anos dos encontros do Foro, até serem expulsas sumariamente pelo PT, quando este assumiu a hegemonia do Foro, que detém até hoje, cada vez mais forte. Com o passar do tempo, o Foro de São Paulo foi mudando. Hoje, o Foro está mais preocupado com a governabilidade institucional de governos reformistas socialdemocratas e também com ganhar algumas eleições, como no Peru, que foi uma vitória do Foro de São Paulo,  do PT no Brasil e o mesmo em El Salvador”. (ver aqui).

Quando a política "pega mal"

A disputa eleitoral ganhou novo ânimo nos últimos dias. O deputado Índio da Costa, candidato à vice-presidência na chapa de José Serra, afirmou em entrevista ao site Mobiliza PSDB: “todo mundo sabe que o PT é ligado às FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), ligado ao narcotráfico, ligado ao que há de pior...” (Vejam).
Como era de se esperar, o PT reagiu com indignação e ameaças de processo. O que não era de se esperar, num regime democrático, é que a maior parte da imprensa e dos comentaristas políticos fosse tomar as dores dos petistas. E foi exatamente isso o que aconteceu. Até mesmo uma candidata que se apresenta como de oposição ao governo, a ex-ministra Marina Silva, qualificou de “baixaria” as declarações de Índio da Costa.
O ponto essencial da réplica petista consistiu na afirmação de que, por estar em situação adversa na disputa eleitoral, o PSDB começava a apelar para a difamação e calúnia, “baixando o nível” do debate político. E, de fato, expressões como “baixar o nível” ou “baixaria” começaram, a partir de então, a circular com incrível constância. Essa convergência aparentemente tão espontânea de sentimentos e vocabulário deveria despertar a curiosidade de qualquer analista político. Parece que Índio da Costa havia, de algum modo, infringido algum código de conduta pretensamente consagrado, tocado em uma corda sensível dos formadores de opinião. Nas matérias dos jornais, nas colunas e nas resenhas, a declaração de Índio da Costa começou a aparecer como tendo despertado “uma reação negativa” – universal e misteriosamente negativa, diga-se de passagem –, e não apenas por parte dos supostamente ofendidos, ou seja, os petistas. No entanto, para além dos petistas, quem teria reagido negativamente às declarações ainda não foi definido com precisão. Os veículos de imprensa, de modo geral, optaram por uma forma impessoal, “houve uma reação negativa”, tornando difícil saber se se tratava mesmo de uma informação sobre uma reação negativa ou de uma indução a uma reação negativa.
Para dar apenas um exemplo da tônica geral da visão jornalística sobre a querela, gostaria de mencionar os comentários da cientista política e jornalista Lúcia Hippolito, feitos no dia 20/07/2010, no quadro "Por Dentro da Política", da rádio CBN (ouçam aqui). Utilizo esse exemplo não porque haja nele algo de particularmente significativo, mas, ao contrário, por ser bastante representativo da opinião mediana veiculada pela imprensa. Ao ser perguntada sobre o andamento da corrida presidencial, a cientista política disse que o clima andava “tenso e pesado” nos últimos dias, indicando como uma das causas para isso as declarações de Índio da Costa, que teria, ainda segundo ela (em comentário do dia anterior), “pegado pesado” (ouçam aqui). Para a comentarista, nada disto era bom para a disputa eleitoral e nem favorecia o processo democrático, porque desviaria o foco de questões centrais como a discussão dos programas de governo, o confronto direto entre os candidatos, as propostas concretas sobre temas específicos como saúde, educação, segurança – enfim, os de sempre. Neste sentido, ela via com alívio a aproximação do horário eleitoral gratuito e dos debates oficias. Todo o raciocínio de Lúcia Hippolito pode ser resumido nos seguintes termos: declarações como as de Índio da Costa, além de ferir certo código de etiqueta conveniente ao jogo democrático, tocavam em aspectos irrelevantes, prejudicando a discussão sobre aquilo que a comentarista considerava ser o “essencial” na corrida eleitoral. Nas palavras de Hippolito: “nossos problemas são enormes para termos uma campanha com clima de futrica”.
Pois bem. Antes de entrarmos no mérito mesmo da questão – Índio da Costa está ou não falando a verdade? –, parece-me que o simples fato de qualificar como “futrica” a hipótese de uma ligação entre o governo de um país e o narcotráfico já é bastante extravagante, ainda mais vinda da boca de uma jornalista cuja especialidade é, justamente, a política. Porque, afinal, se a hipótese é verdadeira, nada na disputa eleitoral pode ser mais relevante do que essa informação; se, do contrário, ela é falsa, é preciso que seja desmentida com firmeza, e que seu propositor, por ser candidato, seja punido e afastado da disputa. Em qualquer um dos casos, a questão jamais poderia ser considerada algo menor ou de pouca importância. Nada pode ser mais grave do que, de um lado, um governo ser ligado ao crime organizado ou, de outro, um candidato à vice-presidência ser irresponsável a ponto de inventar uma coisa dessas.
Mas o fato é que a tal “repercussão negativa” – categoria empregue pela imprensa como auto-evidente – acabou intimidando os proponentes da grave acusação. Via twitter, Índio da Costa recuou um pouco, dizendo que o PT não tem ligações com o narcotráfico, mas as FARC sim. Já o candidato à presidência José Serra afirmou que “todo mundo sabe que o PT tem ligações com as FARC, embora isto não signifique que tenha ligações com o narcotráfico”. Enfim, os próprios autores da acusação perceberam que ela, de algum modo, “pegou mal”.
Isto nos leva ao assunto central deste texto. Ele pode ser resumido nas seguintes perguntas: como é possível que a simples menção de discutir um assunto que, como já mostrei, não pode deixar de ser importantíssimo, tenha “pegado mal” na opinião pública? O que aconteceu com o pensamento brasileiro para que a política viesse a ser concebida assim de forma tão irreal, como uma espécie de salão de chá no qual os personagens devem seguir regrinhas fixas de bom comportamento? De onde veio um conceito tão distorcido de política? Como a investigação sobre o poder, tema central da ciência política desde que ela foi criada, há mais de 2000 anos, por Platão e Aristóteles, pode ter sido substituída por esta atenção pueril às regras de etiqueta no jogo eleitoral? E, ainda, como um tópico tão vital quanto o poder – que, segundo célebre definição de Max Weber, consiste, nada mais nada menos, na capacidade que tem um ator social de impor sua vontade sobre outro – pode ter sido reduzido a elucubrações sobre um mundinho ideal de conto-de-fadas, a chamada “festa da democracia”, onde candidatos racionais e bem-educados debatem idéias e trocam pontos de vista? As noções de “debate” e “troca de pontos-de-vista”, aliás, são utilizadas com tamanha freqüência, e com tão pouca reflexão, que acabam ocultando decisões políticas implementadas à sua sombra. No Brasil atual, o tal debate é realizado, no mais das vezes, sobre questões já há muito decididas e sacramentadas. O fato é que a realidade política não é feita de debate de idéias ou troca de pontos-de-vista. Ela é feita de disputas pelo poder e imposição de vontades. Hitler não teria sido contido por meio de argumentos – por mais racionais e bem-educados que fossem – acerca da monstruosidade de seus atos.
Que a política no Brasil tenha sido reduzida a tal festival de formalidades sem conteúdo parece-me um sinal claro de que nossa sociedade esteja atordoada e nossa ciência política praticamente moribunda. Quando uma comentarista profissional diz que possíveis ligações do governo com o crime organizado são menos importantes do que a discussão de “programas de governo”, estamos diante, então, de uma espécie de metástase intelectual. A perda do senso de hierarquia é o seu sintoma mais manifesto.
Ora, qualquer pessoa medianamente esclarecida notará que, no Brasil de hoje (e talvez no mundo todo), os programas de governo pouco diferem uns dos outros. Todos eles são escravos de uma espécie de consenso público, que determina, literalmente, a esfera do “politicamente correto”: um quadro estabelecido de referências e vocabulário fora do qual um candidato qualquer não será considerado mais do que um pária. Hoje em dia, um candidato que não apresentar um discurso afinado sobre, por exemplo, meio-ambiente ou sustentabilidade jamais terá muita visibilidade na imprensa. Os mecanismos pelos quais tal “consenso” é imposto de cima para baixo, sob a inocente aparência de uma onda irresistível e espontânea, constituem um tema interessante por si mesmo, que exigiria um estudo à parte. Mas o que me interessa aqui é mostrar o quão inócua é a análise de programas de governo e declarações de campanha para se compreender as forças envolvidas em qualquer disputa política. Aquilo que os candidatos dizem e pensam não nos ajuda, no mínimo que seja, a entender o que eles efetivamente fazem e poderão vir a fazer. Por exemplo, se o PT nos apresenta um belo programa de combate à violência e ao narcotráfico enquanto, ao mesmo tempo, assume compromissos políticos com organizações que fazem uso da violência e do narcotráfico, fica evidente que o programa não passa de uma fantasia, quando muito um discurso vazio de significado, e que o dado relevante para o analista são as alianças concretas do partido. A ciência política lida com esquemas e relações de poder e não com declarações formais de intenção. Confesso que me sinto um pouco constrangido por ter que lembrar esse tipo de coisa a uma cientista política de formação como Lúcia Hippolito.
Diante do exposto acima, fica claro que a ligação do PT com qualquer organização política transnacional é, então, de uma importância ímpar. Se esta organização, além disso, é um grupo guerrilheiro e, eventualmente, narcotraficante, o assunto torna-se não apenas urgente, mas inadiável. Não custa lembrar que o tráfico de drogas é um dos grandes responsáveis pelo espantoso índice de homicídios no Brasil (na cada das dezenas de milhares por ano, segundo o Mapa da Violência 2010).
O fato é que a “proibição de perguntar” – expressão cunhada pelo filósofo político Eric Voegelin, autor que, num livro magistral chamado Hitler e os Alemães (1951), nos revelou uma sociedade alemã às vésperas da ascensão do nazismo que, curiosamente, guarda muitas semelhanças com a sociedade brasileira atual – atingiu, neste caso das declarações de Índio da Costa, uma magnitude impressionante. A imprensa, em vez de questionar se o que estava sendo dito era ou não verdade, como seria o seu dever, preferiu pontificar sobre as qualidades estéticas e superficiais da afirmação, ou simplesmente silenciar sobre o assunto. Pouco importava se Índio da Costa dizia ou não a verdade, o que importava é que ele tinha sido “grosseiro”, “extremista”, “radical”. Entre uma mentira chique e uma verdade mal-comportada, a opinião pública brasileira nem pestaneja: opta pela primeira. Bem dizia o grande intelectual Mário Vieira de Mello, quando, já nos anos 1960, chamava a atenção para o estetismo atávico dos bem pensantes brasileiros (ver Desenvolvimento e Cultura: o problema do estetismo no Brasil, de 1963).
O “não-me-toques” generalizado da opinião pública – cujos principais porta-vozes se comportaram, nesse caso, como mocinhas pudicas – já seria, em si mesmo, extremamente curioso. Mas o que torna o caso ainda mais curioso é que, com tudo o que se diga, Índio da Costa falou a verdade: o PT tem mesmo ligações com as FARC e com o narcotráfico. Resta que a verdade é totalmente autônoma em relação àquele que a expressa. Venha de onde venha, dita por um ou por um milhão, a verdade é sempre uma só. E aí as coisas se complicam de vez, e a realidade da miséria brasileira se revela mais assustadora do que imaginávamos. Tendo Índio da Costa falado a verdade, o que pode ter acontecido com uma sociedade para que, nela, esta verdade se torne algo que “pega mal”?
Como sei que Índio da Costa falou a verdade? É simples. Basta coletar informações divulgadas publicamente pela própria imprensa e por autoridades competentes. Eu mesmo fiz essa coleta, que apresento no próximo post, pois a narrativa midiática, no Brasil sobretudo, é extremamente descontínua e fragmentada. Dizem que o povo tem memória curta, mas a imprensa brasileira tem muito mais. Ela noticia certas coisas com um conta-gotas e, surpreendentemente, não explora as conseqüências do que acaba de noticiar. Ora, o PT não pode processar ninguém que afirme as tais ligações com as FARC, a não ser que processe, antes de tudo, a quase totalidade dos grandes meios de comunicação no país e fora do país: o Globo, a Folha de São Paulo, o Estadão, a revista Época, a revista Veja, as revistas colombianas El Tiempo e Cambio, o francês Le Monde, o argentino La Nación, etc.
O material fornecido pela imprensa não é a única fonte para verificarmos o mérito da declaração de Índio da Costa. Contamos também com diversas fontes primárias, entre as quais um documento assinado em 2001, no X° Encontro do Foro de São Paulo, em Havana, onde o PT, junto com todos os membros do Foro, se comprometeu a prestar “solidariedade incondicional” às FARC, classificando o governo da Colômbia, além disso, de “estado terrorista”, por seu combate vigoroso àquela organização. O Foro de São Paulo foi fundado por Lula e Fidel Castro em 1990, e reúne organizações de esquerda da América Latina, incluindo o PT e as FARC. Portanto, não sou só eu que sei que Índio da Costa disse a verdade. Lula também sabe. José Dirceu sabe. Dilma Roussef sabe. Marco Aurélio Garcia sabe. Celso Amorim sabe. José Eduardo Dutra, que tanto esperneou e ameaçou, também sabe. Enfim, toda a cúpula do PT sabe e, não podendo lidar diretamente com o mérito da questão, eles fazem como a imprensa: apelam às regras da boa educação eleitoral e posam de vestais ofendidas. Mas, afinal, se os petistas consideram algo tão depreciativo a relação com as FARC, a ponto de qualificar de “baixaria” sua menção, por que eles mantiveram tais relações por tanto tempo? Por que, ainda hoje, eles se recusam a considerar as FARC um grupo terrorista?
O que tem o PT a dizer sobre as alegadas relações propriamente ditas? Aparentemente nada. Ameaças histriônicas de processo não vão resolver a questão, já que estas ameaças não anulam a realidade do documento referido acima, por exemplo. Algo é preciso ser dito, nem que seja uma nota de arrependimento de ter sido, em algum momento, solidário às FARC, acrescido, quem sabe, da promessa de ter se livrado de tal parceria. O estranho é que, até agora, tudo o que o PT fez foi vociferar e arreganhar os dentes, exercendo o que se costuma chamar de jus esperneandis. Dilma, por exemplo, diz que se recusa a entrar neste tipo de polêmica, e que o "povo brasileiro" não merece uma disputa eleitoral com este "baixo nível" (curiosamente, quase o mesmo argumento de Lúcia Hippolito). Até agora, portanto, nenhum petista disse com todas as letras: “nós não temos nem nunca tivemos relações com as FARC”. Eles simplesmente não podem dizer tal coisa. As razões me parecem óbvias.

Das Virtudes e Vícios do Ceticismo

Em maio de 2012, o autor destas linhas frequentava um curso preparatório para o difícil e concorrido concurso do Itamaraty. Faziam três...