"A Providência anda devagar, mas o diabo sempre urge." (John Randolphe Roanoke)
Safatle, eu sei o que você fez no verão passado. Essa idéia do "novo" em política é mais velha do que a coleção de LPs da Inezita Barroso. Ela só emociona os incautos.
As propostas do "novo" em política - A Nova Ordem, o Novo Homem, a Nova Sociedade - sempre, sempre mesmo, resultaram em carnificina. A política é a arte da prudência, como nos ensina Russell Kirk. É o respeito pela tradição e pelas lições do passado. A verdade não nasceu ontem. Veritas filia temporis.
Mas Safatle propõe o novo. De novo. Ele julga representar uma esquerda pura, a verdadeira, enfim, e pede-nos mais um voto de confiança. Imagina termos esquecido que, antes dele, tantos já ecoaram a mesma ladainha; tantos já se colocaram como representantes do novo contra as velharias e sobrevivências do passado. Stálin e Trótski viviam dizendo representar o novo e a "verdadeira" revolução, acusando-se mutuamente de "reacionários". A querela foi encerrada com o irrefutável argumento da picareta. É sempre assim.
Não existem soluções e sínteses definitivas em política. A política é uma dialética interminável, um exercício de convivência dos heterogênos e contrários. É um campo de perpétua coetaneidade. Não há, neste espaço negociado, "passado" e "futuro". Não há Era de Aquário. Não há panacéia. Não há, não pode haver, substituições irreversíveis. Como escreveu Edmund Burke, "a sociedade humana é um contrato entre os vivos, os mortos e os que estão para nascer." Não há posição privilegiada, fora do tempo e do espaço, de onde se possa julgar o avanço ou atraso, o arcaísmo ou vanguardismo, das posições políticas alheias. Nada pode ser mais trágico do que a aplicação de uma linguagem estética à política.
Mas Safatle propõe o novo. Pensa que vai nos fisgar com o palavrório fluido e estetista de maio de 1968, com essa mistura perniciosa entre política e arte. Até parece, mangão. Conheço bem esse papo de "let a thousand flowers bloom". Sei bem onde termina o "sin perder la ternura jamás". Aprendi que o lirismo meloso dos progressistas ergue-se sobre uma pilha de cadáveres. Quando vais com o fubá, Safatle, já voltei com a broa.
Safatle recita "criatividade" e "novas experiências". E eu respondo: vai fazer experiências com as tuas negas, ô Vladimir. Largue de safatleza. Como sugeriu magistralmente o João Pereira Coutinho em recente entrevista:
"A política não é um luxo; não é uma actividade 'criativa', onde devemos esperar 'a imaginação ao poder'. A imaginação e a criatividade devem ser cultivadas noutras esferas da conduta humana. Na intimidade. No futebol. Nas artes. Na culinária. Mas a política lida com a vida de seres humanos. A primeira exigência que se deve fazer ao poder político é ele não confundir a vida de terceiros com as tintas que usamos numa tela. A segunda é ele não interferir com a forma como as pessoas, livremente, pintam a sua tela."
Eu tenho medo do novo, Safatle. Se tú és o novo, então, tenho pânico. Vade retro com tua vanguarda e tua criatividade.